Humberto Machado Rodrigues - Simplicidade na vida e na morte

Centenas de amigos estiveram na Casa-Chefe, a maioria racionalista cristã, para levar seu adeus a Humberto Machado Rodrigues e palavras de conforto à viúva, d. Marluce, e demais parentes. O corpo foi velado no saguão e de lá levado para o cemitério de São João Batista, onde repousa na carneira nº 3762.

Tanto o velório quanto o sepultamento foram de muita simplicidade, como foi Dr. Humberto durante toda sua vida física.

Pouco antes da saída dos restos mortais para o cemitério, em nome dos parentes, racionalistas cristãos e admiradores do Dr. Humberto, seu sucessor à frente da Doutrina, Gilberto Silva, assim se despediu do amigo, que muito admirava: “Vamos tentar dizer algumas palavras em homenagem ao Dr. Humberto, neste momento em que seu corpo deixa pela última vez a Casa-Chefe, porque o seu espírito, desde ontem, logo após a sua desencarnação, já está em seu mundo de luz, temos certeza disso.


Falar do legado de Humberto Machado Rodrigues, dos seus feitos, da sua obra magnífica em prol do Racionalismo Cristão, é tarefa para seus biógrafos, especialistas em retratar a vida e obra das grandes figuras da humanidade.
Então, queremos falar nesse instante do esposo amantíssimo, do pai, sogro e avô exemplar e do amigo incondicional de todos nós.

Dr. Humberto nutria pela Marluce, e ela por ele, um amor que não há palavras para descrevê-lo. Viveram um para o outro, em dedicação total.

Como pai, sempre deu exemplos dignificantes. Como amigo, foi incondicional e soube compreender a todos, sempre com tolerância.

Humberto, queremos dizer-lhe apenas duas palavras: Muito obrigado!"

Logo na reunião de doutrinação que se seguiu ao falecimento, o espírito de Humberto Machado Rodrigues manifestou-se e fez um comunicado, destacando estar bem em seu novo mundo.

Disse ele, através do médium, iniciando seu comunicado:
 “Amigos racionalistas cristãos, nada de tristezas, pois o momento é de felicidade. Estou muito bem e feliz, pois cumpri as etapas evolutivas inerentes ao plano de matéria densa. E continuarei minha trajetória evolutiva trabalhando astralmente em corpo fluídico em prol da evolução espiritual dos meus irmãos em essência.

Algo mais sobre Humberto
Humberto Cottas Rodrigues

Em resumo, ele era um carioca autêntico e uma figura típica da nossa cidade.

Durante os comoventes momentos que vivemos no último 19 de abril na Casa-Chefe do Racionalismo Cristão, nos instantes que precediam o término da última despedida a Humberto Machado Rodrigues, o atual presidente da instituição, Gilberto Silva, perguntou-me se gostaria de falar algo às pessoas. Independente de minha pouca capacidade em oratória, não haveria condição para tal ato, em razão da impossibilidade de falar sobre o assunto sem que caísse em prantos naquele momento de pesar. Agradeci o gesto do Gilberto e disse que realmente não poderia discursar, porém poderia tentar escrever alguma coisa para A Razão. A proposta foi imediatamente aceita e, passado aquele dia, comecei a tentar concatenar em minha mente algum texto sobre quem foi o homenageado em questão.

Embora haja muito o que dizer, não é nada fácil falar sobre essa figura, ainda mais levando-se em conta a minha posição de filho único, criado e educado por ele com toda a dedicação, carinho e amor que uma pessoa poderia receber. É lógico que seria extremamente parcial e suspeito para avaliações; logo, prefiro deixar para outros falarem sobre suas inúmeras e inquestionáveis qualidades, tais como o fato de ter sido um brilhante orador de improviso, seu dom inato em escrever textos maravilhosos e a capacidade de liderança carismática para o bem. Fora vários outros predicados que outros companheiros e amigos comentarão de forma bem mais isenta e imparcial (aliás, “Companheiros e amigos...”, era assim que ele começava sempre um discurso, lembram-se?).

Assim sendo, diante desta condição de filho, achei que seria muito mais interessante falar de outras questões da vida pessoal de uma pessoa que marcou muito a todos nós. E para isso preferi escolher aspectos que poucos conheceram, que se constituem basicamente nas ações, hobbies e hábitos de meu pai como um homem comum em seu dia-a-dia, fora dos protocolos e convenções que seu cargo na Doutrina racionalista cristã exigia. E sem que ele soubesse, foi justamente através dessas características pessoais que ele me passou o seu verdadeiro legado como pai.

Para começar, Humberto Machado Rodrigues era um homem de cultura vastíssima, adquirida por toda a vida, desde a infância, quando estudou no Colégio Lafayette, passando pela formação na Faculdade Nacional de Direito. Quando completou o científico (atual ensino médio), foi aprovado e ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, curso que abandonou após um ano, por falta de vocação e horror à necessidade inicial de dissecar cadáveres. Logo em seguida, fez novo concurso e passou para o curso de Direito, atividade na qual teve sua verdadeira vocação profissional e desempenhou-a brilhantemente por anos a fio, como advogado na área cível. Sempre desejou aprender, lendo e mergulhando em bibliotecas pela cidade. Em suas horas de folga, seu lazer predileto era passar os dias na Biblioteca Nacional ou no Real Gabinete Português de Leitura, do qual sempre foi associado e contribuinte. Por conta disso, aqui vai meu obrigado por ter me apresentado a Machado de Assis, Camões, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Tolstoi, Victor Hugo e Alexandre Dumas, entre vários outros.

Humberto Machado Rodrigues era intimamente ligado à música erudita. Foi aluno da escola de canto do professor Giovanni Rocha e concluiu todo o curso, adquirindo registro na Ordem dos Músicos do Brasil. Foi um potente tenor e seu mestre italiano havia indicado a sua ida para seguir carreira no Scala de Milão, o que não chegou a ocorrer em razão de seu início de namoro com Marluce, minha mãe, que descrevia sua ida aos encontros sempre com partituras debaixo do braço. Era apaixonado por óperas e assim passei minha infância ouvindo seus LPs com grandes óperas nas vozes de Beniamino Gigli, Caruso, Mario del Monaco... Isso sem falar na sua própria condição de intérprete, pois tinha mania de recitar árias.

Por falar nisso, aqui vai uma revelação de seu segredo para discursar sem microfone para grandes públicos, às vezes por horas e sem sinais de fadiga. Dizia que isso era possível porque usava a técnica adquirida nas aulas de canto, utilizando o diafragma e sem desgastar as cordas vocais. Para ele, Gigli e Caruso eram os maiores. Chegou a conhecer seu ídolo Gigli pessoalmente, apresentado por Giovanni Rocha em sua escola, e para o famoso tenor chegou a enviar cartas que foram gentilmente respondidas. Para provocá-lo, eu e meu amigo Marcus Vinicius costumávamos dizer que Carreras e Pavarotti eram melhores que o Gigli, o que o levava a responder enfaticamente que não, ou então, dependendo do humor, a apenas rir e balançar a cabeça negativamente. Essa brincadeira era sempre feita por nós e sempre tinha o mesmo efeito, até muito recentemente.

Assim, daqui mando-lhe mais um muito obrigado por ter me apresentado os cantores acima, além de gênios como Verdi, Puccini, Giordano, Mascagni, Donizetti, Wagner e Tchaicovsky, alguns de seus compositores prediletos.
Para não ficar somente no erudito, apreciava também e gostava muito de cantores e compositores da nossa música popular, aí incluindo Noel Rosa, Francisco Alves, Martinho da Vila, Beth Carvalho, Adoniran, Nelson Gonçalves e mais alguns.

Por falar em gostos populares, nosso homenageado tinha queda também por futebol. Era torcedor do Botafogo, muito embora nunca tão fanático como me tornei, porém assim fiquei provavelmente por culpa dele. Seu pai e meu avô, Manoel Machado, era flamenguista doente, no entanto isso não foi capaz de impedir que se encantasse pelo Botafogo de sua infância nos anos 30, que tinha nomes como Carvalho Leite, Nilo Murtinho Braga, Martin Silveira, Canalli, Nariz, Tim, Patesko. E depois, já adolescente e adulto, era fã confesso de Heleno de Freitas e Nilton Santos. Frequentou, ora com seu pai ora com seus colegas do Lafayette, os estádios que abrigavam grandes jogos da época pré-Maracanã, que incluíam os de General Severiano, da Rua Álvaro Chaves (nas Laranjeiras), São Januário e Andaraí (antigo campo do América). Apesar de botafoguense declarado, como era de se esperar em razão de sua índole, admirava enormemente e até ia a jogos de rivais para ver grandes craques de outros times, como Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho (estes do Flamengo), Ademir Menezes, Jair Rosa Pinto e Danilo Alvim (do famoso “Expresso da Vitória” do Vasco da Gama). Falava-me que Domingos, Zizinho e Nilton Santos foram os maiores craques que viu jogar. Por incrível que pareça, não citava muito Pelé e Garrincha em suas apreciações, mas isso explica-se por alguns motivos. Primeiro, porque foi à final de 1950 no Maracanã e saiu passando muito mal do estádio após a fatídica derrota frente ao Uruguai.

Ficou traumatizado demais e perdeu grande parte de seu interesse em acompanhar futebol a partir daí, dizendo que era um esporte sem lógica e injusto (eu já acho que aí está a maior graça do velho esporte bretão, a sua imprevisibilidade). E segundo porque aos poucos o seu interesse maior pelas questões ligadas à doutrina espiritualista foram ganhando mais espaço e ocupando praticamente toda sua atenção, levando à perda progressiva de interesse pelas coisas mais mundanas. Mas, de qualquer forma, sempre me contou histórias gloriosas de futebol e do Botafogo, o que me levou à condição de torcedor fervoroso pelo time da Estrela Solitária. Embora nunca desse o braço a torcer, em razão de minha paixão pelo Botafogo, inúmeras vezes passei a vê-lo interessado e torcendo novamente, chegando a me acompanhar no Maracanã em alguns jogos.

Um dos seus hobbies favoritos era montar cavalos. Como foi um autodidata em quase tudo o que fazia, não fez qualquer curso de equitação e aprendeu a cavalgar sozinho. Seja em Caxambu ou em Valença, para onde íamos muito em minha infância nos anos 70, a primeira coisa que fazia era procurar, através de contatos, quem tinha os melhores cavalos para montar. E através de seu papo fácil e cativante, conhecia pessoas que lhe ofereciam logo os melhores “puro-sangues” da região. Não gostava de pangarés, pois queria mesmo era cavalgar forte o dia inteiro. E muitas vezes levava-me junto, o que me fez aprender a montar cavalos imensos aos dez anos de idade, para desespero de minha mãe. Assim como aprendeu a montar cavalos sozinho, acreditem (e pasmem!) que aprendeu também a dirigir carro sem qualquer auxílio. Isso se deu por volta de meados dos anos 70.

A pavimentação rumo às mudanças

Poucos se deram conta do legado que este bravo homem recebeu: o de suceder um dos três grandes mestres, o consolidador Antonio Cottas, que permaneceu à frente do Racionalismo Cristão por 57 anos.

Essa, em resumo, a avaliação do presidente do Racionalismo Cristão, Gilberto Silva, da atuação do Humberto Machado Rodrigues à frente da Doutrina.

Ao falar dessa atuação, afirmou Gilberto Silva: “Com extrema competência e coragem, entregou-se ao trabalho e inaugurou nova era no Racionalismo Cristão. Nós todos costumamos atribuir a ele, com justiça, uma fase de ouro na expansão da Doutrina, mas ele mesmo dizia que trabalhar com vistas a essa expansão era um dever natural de todos os dirigentes e, porque não dizermos, de todos que amam a Doutrina.

Dr. Humberto tem o mérito de ter preparado as condições para que esta expansão pudesse acontecer. Refiro-me à redução das reuniões em nossas casas que, até 1983, eram 13 por semana e passaram a ser 5, à flexibilização de horários das reuniões, às salas das crianças, dos jovens, as atividades das associações culturais, as bibliotecas, a internet na divulgação. Isso, para citarmos apenas algumas decisões e iniciativas de sua gestão à frente da Doutrina nesses últimos 29 anos.

Em 2010, durante o 1º Congresso Mundial do Racionalismo Cristão, dissemos que Dr. Humberto havia pavimentado o caminho para que pudéssemos realizar aquele evento sem sobressaltos, sem solavancos e com excelentes resultados para a nossa querida Doutrina, e agora, dizemos que ele foi o responsável não só pelo êxito daquele evento, mas de todos esses anos de paz, harmonia e tranquilidade que vivenciamos na Doutrina, inclusive o momento da transição da presidência do Racionalismo Cristão, tão delicado para qualquer instituição, mas que foi transporto sem nenhum percalço, exatamente pela experiência, visão de futuro e por ter sido previdente. Ele sempre nos dizia: "Eu não quero que o meu sucessor passe pelo que eu passei e sofra o que eu sofri". Sábio homem!”

Algo mais...

Quando minha mãe resolveu aprender a dirigir, adquiriram um fusca branco, ano 1969. Como ela sofreu um pequeno acidente e traumatizou-se com isso, abandonou a direção de veículos. Meu pai, sempre pouco afeito a modismos (como ele próprio se autodefinia), dizia que nunca iria dirigir. No entanto, com a falta de uso do velho fusquinha pela esposa Marluce, resolveu, num estalo, dirigi-lo. E saiu conduzindo o lendário carro da família pelas ruas de Vila Isabel, onde morávamos, em um ato nada recomendável para que outros sigam como exemplo, por motivos óbvios.
JORNAL

Lembro que o instrutor de auto-escola de minha mãe ficou bestificado como aquilo ocorreu sem que houvesse qualquer acidente e disse que em toda sua vida de instrutor nunca vira nada semelhante.

Assim era meu pai em suas maiores contradições. Se em determinadas situações era extremamente cauteloso e cuidadoso, em outras mostrava-se destemido ao extremo. Quando desejava de fato realizar algo, não havia quem o demovesse da ideia. Acabou sendo um belo motorista e o fusquinha entrou para a história. Tratava aquele carro com exagerado esmero e o conservou por mais 15 anos, período em que não admitia dele se desfazer. O fusca era tão conservado e original que eu chegava a perder a conta das vezes em que aparecia alguém oferecendo propostas de compra, sempre recusadas.

Sempre a bordo do velho fusquinha, tínhamos aqueles habituais programas de lazer aos fins de semana. Íamos muitas vezes para algum lugar da cidade jogar bola, na maioria delas para a Quinta da Boa Vista ou para o Grajaú Country Club, do qual éramos sócios. Na Quinta, a pelada era improvisada em algum daqueles espaços gramados e ele reunia os garotos humildes que por ali brincavam e montávamos os times. Tirava as quatro calotas prateadas do fusca para servirem como traves dos gols. Apesar do fato de que eu era o filho e dono da bola de couro, as outras crianças eram sempre tratadas de forma igual por ele, indistintamente.

Quanta alegria aquilo proporcionava! Em sua condição plena de pai coruja, achava que eu jogava bem (em uma autocrítica, acho que era terrível exagero) e por conta disso dizia que iria me levar para ingressar na escolinha do Nilton Santos. Isso obviamente nunca foi concretizado, pois a prioridade sempre recaiu nos estudos. Também nos fins de semana, principalmente aos sábados, às vezes, meu pai me levava para acompanhá-lo em tarefas como ir ao barbeiro, calista ou buscar alguma coisa no escritório da Rua Miguel Couto, tudo no Centro da cidade. Estacionava o carro em um posto de gasolina na Praça 15 e de lá fazíamos tudo a pé, passeando pelas ruas do Centro do Rio. E assim ele parava para bater papo com as pessoas que via em seu dia-a-dia do trabalho, incluindo aí o guardador de carros (naquela época ainda não havia o termo flanelinha), o atendente do botequim, o garçom de restaurante e por aí vai. Eu ficava impressionado com a recepção efusiva que ele recebia de todos aqueles personagens. 
O papo em geral era sobre os temas comuns de política ou futebol e quase sempre surgia alguma piada. Meu velho adorava uma piada e curtia as boas e inteligentes anedotas, sempre as passando adiante. Em resumo, era um carioca autêntico e uma figura típica da nossa cidade. 
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Outra faceta curiosa, esta em relação às artes cinematográficas, era sua fissura por filmes de faroeste. Inúmeras foram as noites em que vimos pela TV clássicos de John Wayne, Glenn Ford e Clint Eastwood. Era fã também de grandes atores como Clark Gable, Burt Lancaster, Gina Lollobrigida, Kirk Douglas e outros desse naipe, sem falar na admiração que tinha por Charles Chaplin. Vibrava com a filmografia do Carlitos.

Voltando ao hábito de ler, por incrível que pareça ele não lia somente literatura elevada, mas eventualmente divertia-se com gibis, mais especificamente o “Fantasma” (adorava as histórias do herói conhecido como “o espírito-que-anda”) e “Recruta Zero”. Posso até ouvir suas gargalhadas lendo as histórias hilariantes no quartel do recruta.

Nunca chegou a levar a sério, mas jogava xadrez bem. Admirava muito esse esporte e resolveu me ensinar a jogar com apenas cinco anos de idade. Muitos poderiam achar inadequado, mas a verdade é que aprendi, pelo menos os movimentos das peças, com tão pouca idade. Aos poucos passamos a jogar um contra o outro e, para que adquirisse prática, presenteou-me com um livro de exercícios do mestre Bobby Fischer. Em poucos anos virei fera no xadrez e ele perdia a maioria das partidas. Ao invés de se chatear pelas derrotas, ficou cheio de orgulho...

Se havia algo que realmente curtia muito, era o convívio com amigos. Quem foi um deles, sabe muito bem disso. Uma boa refeição em restaurante com bom atendimento (sem a necessidade de luxo), na companhia de gente querida, talvez fosse sua maior alegria. Apreciava uma boa bebida ao lado de amigos, porém nunca o vi passar dos limites. Ficava numa felicidade incontida quando ia a São Paulo e passava grandes momentos assim ao lado de Gilberto, Fernando, Romanelli e Cecílio.

A maior tristeza que pude presenciar como manifestação de meu pai foi no dia em que chegou do trabalho e minha mãe virou-se e perguntou se estava preparado para uma notícia triste. Ele parou e ouviu-a dizer que o seu xará, Humberto Romanelli, havia falecido de maneira súbita, vítima de ataque cardíaco. Eu estava vendo a cena e ele deixou cair sua pasta no chão e desabou no maior choro que até hoje vi sair de seu rosto. E ele dizia: “Não, Marluce, o Romanelli não!”. Passou o resto da noite em prantos igual a uma criança, com minha mãe tentando consolá-lo.

Lembro-me de reação semelhante somente anos antes, quando sua querida mãe, Delphina, minha avó, havia nos deixado.

Enfim, existe uma infinidade de histórias, detalhes de uma vida riquíssima e cheia de exemplos deixados, que não são possíveis de resumir em um artigo, talvez somente em uma obra biográfica. Nesse texto procurei dividir um pouco do que conheci sobre Humberto Machado Rodrigues, em aspectos que a maioria das pessoas desconhecia.

A despeito de todos os hábitos e preferências que enumerei, é conveniente ressaltar que sua maior veneração era a causa racionalista cristã. Indubitavelmente, seu ideal pela doutrina do Racionalismo Cristão suplantava qualquer outro interesse na vida. Acreditava piamente que esta doutrina irá esclarecer toda a humanidade, baseada nos conceitos da espiritualidade elevada. Lutou em todos os dias de sua vida adulta para que isso viesse a ocorrer.

Assumiu a presidência da instituição em 1983, em sucessão a seu adorado tio, Antonio Cottas, que ele considerava como seu verdadeiro pai. Quando isso ocorreu, ele resolveu entregar-se de corpo e alma à Doutrina e, desta forma, aqueles períodos de lazer, férias e fins de semana prazerosos que tinha a seu lado foram extintos. Ele insistia que deveria seguir à risca o exemplo do tio, que assim procedia em relação ao Racionalismo Cristão, abdicando de praticamente todo o resto.

Logicamente, como um filho que tinha um pai companheiro em muitos momentos, passei a sentir muita falta, embora o carinho e atenção jamais escassearam. Como logo já estaria ingressando em fase adulta, pude perceber que seus ideais eram algo bem maior. Nos fins de semana e momentos de folga, estava respondendo cartas, dando telefonemas intermináveis em conversas pelo Brasil e pelo mundo, planejando viagens, sempre estimulando e negociando a implementação de novas filiais racionalistas cristãs mundo afora. Acompanhei de perto tudo isso e, apesar de ter sido luta árdua, ele enfrentava com grande felicidade tamanho desafio.

A vida física de Humberto Machado Rodrigues teve fim em 18 de abril de 2012, aos 82 anos e a pouco menos de um mês para completar 83. No dia seguinte, seu corpo foi levado ao saguão de entrada do imponente prédio da Casa-Chefe do Racionalismo Cristão, onde permaneceu nesse dia ao lado dos bustos de Luiz de Mattos, Luiz Thomaz, Antonio Cottas e Roberto Dias Lopes. Centenas de pessoas lá se reuniram para os últimos gestos de despedida, encerrados com um discurso comovido de Gilberto Silva, seu sucessor. 


Em meio àqueles momentos, nosso grande amigo Marcus Vinicius Minucci, médico do Solar Luiz de Mattos e que auxiliou muito nos cuidados a meu pai, foi quem melhor resumiu, através de sua costumeira perspicácia, o que representou Humberto Machado Rodrigues. Falou-me algo do tipo: “para ver quem ele foi, basta observar o grau de comoção que as pessoas ali demonstravam. Praticamente todos choravam, lamentando muito a perda. Desde principalmente os mais humildes e também os mais bem favorecidos em nível sociocultural, passando por funcionários da instituição, militantes, amigos e parentes. Basta ter visto esta reação das pessoas e nenhuma palavra a mais é necessária para expressar algo sobre sua trajetória”. 


Humberto Machado Rodrigues, pai e amigo querido, até qualquer dia, meu velho... E obrigado, muito obrigado por tudo!
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